Na Floresta (Khalil Gibran)
I
Na floresta, não existe nem rebanho, nem pastor.
Quando o Inverno caminha, segue seu distinto curso, como faz a Primavera.
Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão.
Se ele em dia se levanta e les indica o caminho, com ele caminharão.
Dá-me a fláuta e canta.
O canto é o pasto das mentes
e o lamento da flauta perdura
mais que rebanho e pastor.
II
Na floresta, não existe ignorante ou sábio.
Quando os ramos se agitam, a ninguém reverenciam.
O saber humano é ilusório, como a cerração dos campos
que se esvai quando o sol se levanta no horizonte.
Dá-me a flauta e canta.
O canto é o melhor saber
e o lamento da flauta sobrevive
ao cintilar das estrelas.
III
Na floresta, só existe lembrança dos amorosos.
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras nos nomes dos criminosos.
Conquistador, entre nós, é aquele que sabe amar.
Dá-me a flauta e canta,
e esquece a injustiça do opressor,
pois o lírio é uma taça
para o orvalho, e não para o sangue.
IV
Na floresta não há crítico nem censor.
Se as gazelas se perturbam quando avistam o companheiro,
a águia não diz: “Que estranho!”
Sábio, entre nós, é aquele que julga estranho apenas o que é estranho.
Dá-me a flauta e canta.
O canto é a melhor loucura
e o lamento da flauta sobrevive
aos ponderados e aos racionais.
V
Na floresta, não existem homens livres ou escravos.
Todas as glórias são vãs como borbulhas na água.
Quando a amendoeira lança suas flores sobre o espinheiro,
não diz: “Ele é desprezível e eu sou um grande senhor”.
Dá-me a flauta e canta,
que o canto é glória autêntica,
e o lamento da flauta sobrevive
ao nobre e ao vil.
VI
Na floresta, não existe fortaleza ou fragilidade.
Quando o leão ruge, não dizem: “Ele é temível”.
A vontade humana é apenas uma sombra que vagueia no espaço do pensamento,
e o direito dos homens fenece como folhas de outono.
Dá-me a flauta e canta.
O canto é a força do espírito,
e o lamento da flauta sobrevive
ao apagamento dos sóis.
VII
Na floresta, não há morte nem há túmulos.
a alegria não morre quando se vai a primavera.
O pavor da morte é uma quimera que se insinua no coração,
pois quem vive uma primavera é como se houvesse vivido séculos.
Dá-me a flauta e canta.
O canto é o segredo da vida eterna,
e o lamento da flauta permanecerá
após findar-se a existência.